Cerca de 40 milhões de brasileiros pagam os impostos que alimentam os salários de outros 11 milhões
MARCOS CORONATO
26/08/2013 10h06 - Atualizado em 26/08/2013 10h31
O Brasil deverá criar 1,4 milhão de empregos formais neste ano, se a economia não desacelerar mais no segundo semestre. No ritmo atual de contratações, esse grupo manterá a proporção de um funcionário público – no governo federal, nos Estados e nos municípios – para cada quatro profissionais formais do setor privado. Cerca de 40 milhões de brasileiros pagam os impostos que alimentam os salários de outros 11 milhões. A correlação não chega a ser um absurdo, em comparação com países em desenvolvimento – mas é igual à da Espanha, país em severa crise de desemprego. Há proporcionalmente mais funcionários públicos na Suécia e na Dinamarca (um para cada dois no setor privado) e menos funcionários públicos (um para cada cinco no setor privado) na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos. Um otimista tentaria ver o lado bom desses números. Quando o governo oferece mais médicos, pesquisadores, policiais e fiscais, ajuda o Brasil a funcionar melhor. Em países emergentes como o nosso, porém, a equação costuma levar ao resultado oposto: proliferam os assessores, intermediários e batedores de carimbo, que em nada ajudam o lado do país que quer trabalhar. Uma pesquisa publicada em junho por dois economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra como o aumento no número de burocratas inibe a criação de empregos no setor privado. “Em nossa amostra completa de países avançados e em desenvolvimento, um emprego público tipicamente surge à custa de um emprego no setor privado”, afirmam os economistas Alberto Behar e Junghwan Mok, da divisão do FMI responsável pela África e pela Ásia Central.
Behar e Mok usaram dados de emprego de 194 países, de períodos similares, entre 1988 e 2011. Os dados do Brasil vão de 1995 a 2009. Eles alertam para a tentação de alguns governos que tentam aquecer a economia pelo aumento do tamanho do Estado. Na maioria dos países – o Brasil incluído –, o efeito tende a ser zero, se considerarmos apenas as estatísticas de emprego. O estudo não considera outros efeitos deletérios causados pelo inchaço do Estado no longo prazo, como queda de produtividade, aumento de corrupção e burocracia. Ao se concentrar sobre 25 países especialmente pobres, incluindo alguns relevantes, como Arábia Saudita, Irã e Turquia, os economistas encontraram um efeito ainda pior. Cada emprego público criado cancela mais de um emprego privado. As estatísticas de desemprego tendem a piorar com o tempo, à medida que o Estado engorda. Aos que veem o FMI como um bicho-papão que se limita a dar recomendações que atrapalham o crescimento, vale lembrar que ele mudou o discurso, diante da crise que tomou os países ricos a partir de 2007. As tradicionais exortações à disciplina nas contas públicas passaram a ser acompanhadas pelo reconhecimento de que os países precisam crescer e criar empregos.
O estudo não tem a pretensão de oferecer um retrato irretocável da realidade. O economista José Pastore, especialista no tema, considera a pesquisa bem-feita, mas não vê sinais, no Brasil, de que a criação de empregos públicos chegue a inibir a abertura de postos de trabalho privados. Ele alerta, porém, para outros fenômenos locais. “Nossos jovens valorizam demais o emprego público, que paga mais que o privado e oferece mais segurança. Basta ver a afluência nos concursos públicos e cursinhos preparatórios”, diz. Behar, do FMI, prefere não analisar o Brasil separadamente. “Nosso resultado é sobre efeitos médios e de longo prazo sobre todos os países”, afirma.
Há caminhos diversos para o emprego público afetar o privado. Nas histórias com final feliz, ocorre um fenômeno conhecido como “crowd in”, efeito que em português poderíamos apelidar de “todos a bordo”. Ao criar um emprego público, como o médico numa cidade do interior, o governo dá um sinal de que aquele local tem condições de abrigar mais profissionais e mais negócios. Como consequência, surgem mais empregos privados na área. O efeito oposto, constatado na pesquisa, é conhecido como “crowd out”, que poderíamos apelidar de “só cabe um”. Ao criar um emprego público, o governo aumenta a pressão por aumento de tributos ou manutenção de tributos altos. O maior número e tamanho de empresas estatais desincentiva os negócios privados. Maiores salários e maior estabilidade levam os profissionais a se bandear para o lado do governo. Por fim, os jovens passam a estudar mais para concurso público e menos para atender às demandas da sociedade e do setor privado. As distorções resultam em sociedades menos produtivas e mais pobres. O Brasil cria muitos postos de trabalho, mas eles são pouco produtivos, e o país cresce pouco. Ganharíamos, nessas duas frentes, se criássemos empregos dinâmicos, e não mais camadas de burocracia.