domingo, 5 de janeiro de 2014

ÉPOCA: "Cada nova vaga do setor público mata uma do setor privado, diz FMI"

Cerca de 40 milhões de brasileiros pagam os impostos que alimentam os salários de outros 11 milhões

MARCOS CORONATO
26/08/2013 10h06 - Atualizado em 26/08/2013 10h31

O Brasil deverá criar 1,4 milhão de empregos formais neste ano, se a economia não desacelerar mais no segundo semestre. No ritmo atual de contratações, esse grupo manterá a proporção de um funcionário público – no governo federal, nos Estados e nos municípios – para cada quatro profissionais formais do setor privado. Cerca de 40 milhões de brasileiros pagam os impostos que alimentam os salários de outros 11 milhões. A correlação não chega a ser um absurdo, em comparação com países em desenvolvimento – mas é igual à da Espanha, país em severa crise de desemprego. Há proporcionalmente mais funcionários públicos na Suécia e na Dinamarca (um para cada dois no setor privado) e menos funcionários públicos (um para cada cinco no setor privado) na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos. Um otimista tentaria ver o lado bom desses números. Quando o governo oferece mais médicos, pesquisadores, policiais e fiscais, ajuda o Brasil a funcionar melhor. Em países emergentes como o nosso, porém, a equação costuma levar ao resultado oposto: proliferam os assessores, intermediários e batedores de carimbo, que em nada ajudam o lado do país que quer trabalhar. Uma pesquisa publicada em junho por dois economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra como o aumento no número de burocratas inibe a criação de empregos no setor privado. “Em nossa amostra completa de países avançados e em desenvolvimento, um emprego público tipicamente surge à custa de um emprego no setor privado”, afirmam os economistas Alberto Behar e Junghwan Mok, da divisão do FMI responsável pela África e pela Ásia Central.

Behar e Mok usaram dados de emprego de 194 países, de períodos similares, entre 1988 e 2011. Os dados do Brasil vão de 1995 a 2009. Eles alertam para a tentação de alguns governos que tentam aquecer a economia pelo aumento do tamanho do Estado. Na maioria dos países – o Brasil incluído –, o efeito tende a ser zero, se considerarmos apenas as estatísticas de emprego. O estudo não considera outros efeitos deletérios causados pelo inchaço do Estado no longo prazo, como queda de produtividade, aumento de corrupção e burocracia. Ao se concentrar sobre 25 países especialmente pobres, incluindo alguns relevantes, como Arábia Saudita, Irã e Turquia, os economistas encontraram um efeito ainda pior. Cada emprego público criado cancela mais de um emprego privado. As estatísticas de desemprego tendem a piorar com o tempo, à medida que o Estado engorda. Aos que veem o FMI como um bicho-papão que se limita a dar recomendações que atrapalham o crescimento, vale lembrar que ele mudou o discurso, diante da crise que tomou os países ricos a partir de 2007. As tradicionais exortações à disciplina nas contas públicas passaram a ser acompanhadas pelo reconhecimento de que os países precisam crescer e criar empregos.

O estudo não tem a pretensão de oferecer um retrato irretocável da realidade. O economista José Pastore, especialista no tema, considera a pesquisa bem-feita, mas não vê sinais, no Brasil, de que a criação de empregos públicos chegue a inibir a abertura de postos de trabalho privados. Ele alerta, porém, para outros fenômenos locais. “Nossos jovens valorizam demais o emprego público, que paga mais que o privado e oferece mais segurança. Basta ver a afluência nos concursos públicos e cursinhos preparatórios”, diz. Behar, do FMI, prefere não analisar o Brasil separadamente. “Nosso resultado é sobre efeitos médios e de longo prazo sobre todos os países”, afirma.

Há caminhos diversos para o emprego público afetar o privado. Nas histórias com final feliz, ocorre um fenômeno conhecido como “crowd in”, efeito que em português poderíamos apelidar de “todos a bordo”. Ao criar um emprego público, como o médico numa cidade do interior, o governo dá um sinal de que aquele local tem condições de abrigar mais profissionais e mais negócios. Como consequência, surgem mais empregos privados na área. O efeito oposto, constatado na pesquisa, é conhecido como “crowd out”, que poderíamos apelidar de “só cabe um”. Ao criar um emprego público, o governo aumenta a pressão por aumento de tributos ou manutenção de tributos altos. O maior número e tamanho de empresas estatais desincentiva os negócios privados. Maiores salários e maior estabilidade levam os profissionais a se bandear para o lado do governo. Por fim, os jovens passam a estudar mais para concurso público e menos para atender às demandas da sociedade e do setor privado. As distorções resultam em sociedades menos produtivas e mais pobres. O Brasil cria muitos postos de trabalho, mas eles são pouco produtivos, e o país cresce pouco. Ganharíamos, nessas duas frentes, se criássemos empregos dinâmicos, e não mais camadas de burocracia. 

Só cabe um (Foto: Otávio Burin/ÉPOCA)